Caminho de Humanidade...

Há um caminho...
Nesse caminho encontramos amores e dissabores,
Nele não há certezas e honras.
Nesse caminho há apenas a vontade certa de penetrar o incerto, mergulhar no mistério e envolver-se pela contemplação de eternidade...
Ah... que eternidade!
A eternidade dos simples que se fazem no tempo.
O tempo dos fracos que se fortificam nos sonhos...
A vida vivida dos que comigo partilham a esperança...
E de repente, no caminho, jaz apenas o encontro: entre o EU que em mim centelha e o TU que em ti contemplo...
Caminhando, enfim, encontro com aqueles que aceitam ser simples; com aqueles que, sendo simples, tornam-se grandes e, sendo grandes, tornam-se detentores de uma sublime humanidade...




Não existe amor maior...

Não existe amor maior...
De repente a gente descobre que não pode mais estar sozinho... que nem a incompletude nossa é capaz de conformar-nos com a ausência de quem nos completa... E então a gente descobre que não pode viver sem o encanto, o carinho, a presença, o amor que Deus nos presenteia...

O que significa ser mestre...

O que significa ser mestre...
Neste dia, a maestria se fez presente na singeleza dos gestos e na simplicidade de quem é sábio na inteireza... de quem é inteiro na sabedoria e humanidade.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

viver de morte e morrer de vida

O medo que temos de encarar a morte se assemelha ao medo que nutrimos quando encaramos a vida. Medo é um sentimento que anula os caminhos que rodeiam a vitalidade humana e, por um instante, ou por instantes inteiros, congelam a coragem que temos em seguir adiante.

Quase sempre fugimos da morte como uma condição a ser evitada. Tememos a perda por não acreditarmos ser ela um elemento a nos completar. Erramos ao pensar assim. As perdas são sempre rostos diferentes do ato de ganhar, configurações plurais da singularidade da conquista. Não há conquista verdadeira que não venha munida pela perda. Cada perda é sempre um degrau para voos muito mais altos.

Talvez o medo que temos não é o de morrer. É medo de viver. Viver implica uma morte a cada vez, uma perda demorada da nossa condição. Trata-se de uma perda-ganho que se configura na maestria da relação, no aconchego da fé, na mágica da esperança. Somos os únicos que sabemo-nos morrer.

Somos os únicos seres que sabemo-nos viver de morte e viver de vida. Vivemos a consciência latente das perdas e dos ganhos em forma  de crescimento, em forma de busca, em forma de realização. Não nos damos conta mas cada vitória que nutrimos na existência é marcada pelo conjunto de perdas. E, cada perda, quase sempre se afirma como possibilidade de ganho real no crescimento individual e coletivo de cada ser humano.

E aí, damo-nos conta de que a poesia de vida que nos envolve é muito mais sublime do que a ilusão das perdas que nos assola. Aprendemos humanamente que as marcas que nos compõem são marcas humanas do tempo, eternizadas pelo calor da felicidade e vivenciadas na esperança de dias sempre melhores para a nossa vida...

E então... uma certeza: não há humanidade que não viva de morte. Não há morte que não viva de vida. Não há, enfim, caminhos humanos que não trafeguem os caminhos da busca e não anseiem horizontes de vida....




quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Somos o que fazemos da vida...

As marcas da nossa vida são relatadas pela simplicidade dos nossos atos. O que mais importa na vida é o que  fazemos a cada dia: os simples gestos, as simples ações. Cada um dos feitos precisa ser relato cotidiano dos nossos sonhos, das nossas labutas, das razões pelas quais lutamos e vivemos. Ninguém mais do que nós poderá julgar a força das nossas lutas, dos nossos atos.

E então descobrimos que fazer é muito mais do que ações encadeadas por momentos subsequentes. Fazer é a arte humana de poder dar sentido, de poder agir porque na ação está a força da vida, a força da esperança de que somos muito mais do que a simples ação: somos o sentido que damos a cada um dos nossos gestos. Por isso, não há gesto maior ou menor, melhor ou pior. Cada gesto nosso é humanizado pela força dos nossos sentidos. Cada gesto é a assinatura humana que fazemos no caderno da existência. Cada gesto é o encadeamento de sentidos que se afirmam em cada instante, possibilitando um novo sentido para a vida, para as nossas razões.

Nesse caminho de ações somos carregados pelas forças propulsoras que dão sentido ao próprio sentido. Falo das esperanças que carregamos e dos sonhos que afirmamos a cada novo dia que amanhece. Esperança e sonho são forças que caminham juntas, que se afirmam juntas. Não há um sem o outro.

Quando as esperanças carregam sonhos e quando os sonhos são molhados pela esperança humana de felicidade, então é porque estão marcados pela ânsia de ir além, pela incrível capacidade de poder buscar o cume da montanha, a ternura dos caminhos e a fluidez da nossa humanidade...

E então a gente se dá conta de que a força das nossas ações não está nas teorias que delas fazemos. Não está nos ganhos que delas tiramos. Agir é muito mais que fazer. Agir é muito mais que existir. Agir é sonhar o sonho que dá razão às nossas razões de ter esperança.
Ao entardecer o canto do pássaro soa em forma de silêncio.
A noite se anuncia em forma de mistério que chega e a tenebrosa maneira de encarar as trevas.
E então, deparamo-nos com a solidão da vida, com o solitário sentido que buscamos e com a latente busca de nós mesmos...

domingo, 11 de setembro de 2011

"FICAR": verbo transitivo.

Um outro dia uma jovem me indagou: "professor, é possível namorar sem antes ficar?".

Sabe aquelas perguntas que deixam a gente sem resposta? Foi o que aconteceu. Sempre acho que os jovens nos surpreendem, deixam a gente sem resposta, sem graça ,talvez.

No fundo, fiquei a pensar sobre aquela pergunta. É uma pergunta sem lógica se entendermos que os afetos são elementos estanques da experiência humana, respostas prontas acerca do que pensamos e sentimos; É pergunta com lógica se olharmos para a afetividade como um elemento dinâmico que toca as emoções e os sentimentos humanos como riqueza constante do desenvolvimento das relações.

Então comecei a pensar que aquela jovem estava correta quando me fazia tal indagação. Não, não é possível namorar sem ficar! Tanto que a questão não é a centralidade do "ficar" que gera a discussão. "Ficar" é apenas um detalhe.

"Ficar", na linguagem dos afetos, é um verbo transitivo: precisa de complemento. O complemento em questão implica muita coisa: o sujeito com quem se fica, as intenções que nos levam a ficar, a forma em que se fica, a finalidade para a qual se fica, as causas a partir das quais nos motivam, e assim por diante.

"Ficar" é um verbo que indica pessoa. Mais que a forma infinitiva, o "ficar" implica um mundo de questões que nos fazem pensar o caminho que se percorre entre o "momento" e a "transitoriedade" dos fatos, entre o "tempo de companhia" e a "permanência de uma presença".

O verbo "Ficar" é irmão do verbo "passar". Fica-se com a pessoa que se deseja, com a "mina" que se quer, com o garotão que se almeja. Mas isso passa. Passa porque o momento é a arte de "passar", de não permanecer, de apenas curtir, porque não é interesse que se vá além da curtição do momento.

"Ficar" é momento que passa. É o voo do pássaro que fica. É a imagem da mente que voa. É o pensamento dos sonhos que somem no horizonte do momento. Ficar não exige, não grita, não cria laços. Não importam os sentimentos que brotam, as paixões que pulsam, os sonhos que surgem. Não requer compromisso, não requer sentimentos, não requer laços que se aprimorem em paixão.

De um simples "ficar" pode surgir uma paixão. Se ela surge, então não foi de um simples ficar. Foi de um "ficar" diferente: que cria laços na origem do "estar junto". O "ficar" que aproxima é aquele que quando se chega ao fim do momento, prolongam-se os laços porque no início o objetivo não era "ficar" enquanto busca de alcançar apenas o conteúdo que está no outro e que me interessa. Se criam-se laços de um simples "ficar", é porque na sua origem os laços já se faziam presentes nos olhares substantivados e adjetivados sobre o outro. O outro, "mina" ou "garotão", não eram meros depósitos de um conteúdo que interessava. O outro fora visto por "inteiro", sem separações, no que há de mais sublime nele ou nela mesmos: a sua humanidade.

Aí então é que o "ficar" que gera namoro é aquele que não se resume ao "uso" do outro como objeto ou como descartável. O "ficar" que gera namoro é aquele que une "mina" e "garotão" com o intuito de partilharem, mesmo que seja um momento, a sua inteireza, o que de humano e verdadeiro cada um carrega.

Na verdade, não existe "ficar". O que existe é uma "descoberta" primeira que, para ser descoberta, precisa ser inteira, não inteira descoberta, mas descoberta que inicia o contato com a inteireza do outro, com os sentimentos que a compõem, com os olhares que se antepõem ao próprio ato de namorar. Neste "ficar", não há espaço para a "instrumentalização" do outro. Há espaço para a abertura, justamente porque esse "ficar" não indica momento de "aproveitamento", mas realização de um desejo de "encontro" em que os sujeitos não ganham individualmente, mas coletivamente.

Um momento em forma de "encontro" é isto: um ficar para frente sem que isso implique "uso" do outro. Um ficar que não passa, mas que marca, que enlaça possibilidades e esperanças em forma de humanidade.

domingo, 14 de agosto de 2011

Política

O que é política
Em época de eleições é muito comum ou­vir frases como estas:
Não dou palpite porque não entendo nada de política. Nem quero entender...
Acho que o fato de um candidato per­tencer a um partido ou a outro não tem a menor importância; por isso escolho quem considero ser a melhor pessoa.
— Não tenho gosto em votar. Os políti­cos sempre dizem as mesmas coisas. Prome­tem e não cumprem. Querem é se arranjar na vida, isso sim!
— Qual é a função do deputado? Não sei...
Escolhi este candidato porque lhe de­vo alguns favores pessoais. Além disso, ele prometeu colocar minha irmã no serviço público.
Essas frases indicam alguns posicio­namentos a respeito do fato político.
Quando as pessoas identificam po­lítica com politicagem, podem estar ex­pressando o desalento a propósito da ação dos homens públicos; ou então re­forçam a postura interesseira do eleitor que sempre espera tirar proveito pes­soal da escolha do candidato.
Alguns têm uma visão imobilista, considerando que as mudanças, mesmo quando existem, não alteram intrinsecamente o mundo humano (sempre existiram ricos e pobres...). Outros as­sumem posição naturalista e determi­nista ao admitirem que os fatos aconte­cem independentemente da vontade dos homens. Ou, ao contrário, acomo­dam-se no paternalismo segundo o qual apenas pessoas especiais, "os grandes homens", teriam capacidade de mando e decisão. A nós, "homens comuns", restaria obedecer sem discutir.
Com freqüência as pessoas não resis­tem ao individualismo que reduz a complexidade das relações humanas à esfera dos negócios e da vida familiar, bastando ao bom cidadão o cumpri­mento das obrigações particulares. (Se­rá que o mundo não vai além do meu jardim?)
Embora as frases do início expressem diferentes posições pessoais, elas têm algo em comum, ou seja, são indicati­vas de desinformação. Geralmente não se sabe o que é política, qual o papel do homem dedicado à política, e em que medida o cidadão comum também é político. Talvez nem se suspeite de que todos nós estamos envolvidos to­talmente na política, mesmo sem que­rer ou sem saber disso.
Força e poder
Em sentido bem amplo, todos nós te­mos poderes: poder de produzir, de consumir, de criar, de punir, de coman­dar; poder de seduzir, de agraciar... O menos poderoso dos indivíduos deve ter poderes, mesmo que secretos! Aliás, Freud percebeu com muita argúcia que certos doentes "indefesos" manipulam pessoas, mantendo-as na sua depen­dência.
No entanto, para que alguém exer­ça de fato poder, é preciso que possua força. Convém lembrar que o conceito de força não precisa estar necessaria­mente ligado ao de coerção ou violên­cia, assim como o conceito de poder não significa exclusivamente domina­ção ou constrangimento.
Mas afinal, o que é o poder? É a ca­pacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos (sobre indivíduos ou grupos humanos). Portanto, o po­der não é um ser, mas uma relação. Mais ainda, é um conjunto de relações, por meio das quais indivíduos ou gru­pos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos.
Preciso de força física para poder car­regar um pacote pesado. Se amo al­guém, sou mobilizado pela força do seu charme, portanto o amado exerce um poder de atração sobre o amante. Nas sociedades democráticas os partidos têm poder e força quando demonstram ser formas atuantes de mobilização so­cial e de interferência em outros centros de poder.
As pessoas interagem por meio de forças criativas que atuam e movimen­tam as relações humanas. Abordamos aqui três tipos de uso positivo de for­ça; a física, a psíquica e a moral. Trata-se portanto de energias que nos possi­bilitam viver melhor e enfrentar as di­ficuldades da vida. E isto é positivo, di­nâmico e vital.
Se o confronto de forças em si não é um mal, deveria ser normal as pes­soas tolerarem as divergências, convi­verem com as diferenças, aprenderem a trabalhar os conflitos. Mas sabemos que, na maior parte das situações, as forças não estão equilibradas. Ao con­trário, a força física com freqüência se transforma em mera coerção — e por­tanto em violência — toda vez que visa o constrangimento de indivíduos ou grupos obrigados a agir conforme uma vontade exterior ou impedidos de agir de acordo com sua própria intenção.
As forças psíquicas e morais se con­vertem em persuasão perversa quando, por meio da ideologia, grupos dominados são levados a pensar, sentir e que­rer o que interessa ao grupo dominan­te, a fim de serem mantidos privilégios.
Retomando o exemplo dos amantes: o medo da perda, o ciúme, o desejo de controle degeneram o poder e a força originários da atração amorosa e trans­formam a relação inicialmente voluntá­ria em obrigação e constrangimento.
Da mesma forma, em todos os seg­mentos da vida comunitária, o indevi­do exercício do poder e da força instau­ra relações hierárquicas e estabelece a dominação.
Consideremos agora os conceitos de força e poder no domínio estrito da política.
O que é política
A política é a atividade que diz res­peito à vida pública. Etimologicamen­te, polis, em grego, significa "cidade". A política é portanto a arte de gover­nar, de gerir os destinos da cidade. O homem político é aquele que atua na vi­da pública e é investido de poder pa­ra imprimir determinado rumo à so­ciedade, tendo em vista o interesse comum.
A ação política não é exclusividade de alguns seres especiais. Cada indiví­duo, enquanto cidadão (filho da cidade), deveria ter espaços de participação efe­tiva que em absoluto não se restringem apenas ao exercício do voto! Este é ape­nas um dos instrumentos da cidadania na sociedade democrática. Portanto, to­dos nós temos uma dimensão política que precisa ser atuante.
Embora não se confunda com as ati­vidades comuns do homem (na famí­lia, trabalho, lazer etc.), a política de certa forma permeia todas as atividades humanas o tempo todo. Interfere na vi­da de cada um de múltiplas maneiras: na regulamentação legal das ações dos cidadãos, já que as leis são feitas pelos representantes escolhidos pelo povo; na gestão dos assuntos relativos à edu­cação, saúde, abastecimento, transpor­tes; nos aparelhos repressivos como tri­bunais, polícia, prisões. É impossível pensar em um setor sequer onde, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, a influência da política não se exerça na vida de cada um.
Por exemplo, nas esquinas movi­mentadas das grandes cidades costu­mamos ver vendedores de balas, li­mões, panos de pó. Na maioria das ve­zes são crianças. A primeira impressão é de que certas pessoas escolhem de li­vre e espontânea vontade esse tipo de serviço, mas a análise cuidadosa reve­la a realidade cruel do desemprego e conseqüentemente de formas marginais de sobrevivência, como o subemprego. Diante das taxas de escolarização, fica­mos sabendo que pelo menos um ter­ço das nossas crianças em idade esco­lar se encontra fora da escola.
Não é possível analisar tal situação como simples decorrência da vontade de cada um: as crianças não freqüen­tam escola e estão soltas na rua não por vontade própria, nem porque seus pais são relapsos. Antes, é preciso tentar en­tender por que o Brasil tem um dos ín­dices mais vergonhosos de distribuição de renda, ao mesmo tempo que se si­tua entre os oito ou dez países mais ri­cos do mundo!
É por estas situações e muitas outras que ninguém pode se considerar apo­lítico, sob pena de a pretensa neutralidade justificar a política vigente. O ho­mem despolitizado compreende mal o mundo em que vive e é facilmente manobrado por aqueles que detêm o poder.

Política: teoria e prática
Em todos os tempos e lugares, nas mais diversas situações, sempre hou­ve homens dominando homens: ho­mens lutando pela conquista e manu­tenção do poder e homens lutando con­tra a opressão.
É inevitável que perguntemos: afinal, o que justifica o poder? quando é legí­timo? quais os seus fundamentos e li­mites? Ou ainda: como conquistar o po­der e como mantê-lo? como tratar aque­les que se submetem ao poder? Ou ain­da: por que tantos se submetem a tão poucos?
Ao tentar responder a questões co­mo essas, homens de todos os tempos elaboraram teorias as mais diversas, buscando explicações ora nos mitos e nas religiões, ora em tentativas predo­minantemente racionais. Em qualquer caso, as teorias políticas são a expres­são do mundo em que vivemos. E não são apenas teorias, pois sempre trazem um convite à ação:
• para manter e justificar o status quo;
• ou para levar à transformação da sociedade, seja pela utopia, pela refor­ma ou pela revolução.
Por isso é importante estudar os clás­sicos, para examinar como eles perce­beram os problemas do seu tempo. Sem dúvida isso nos auxiliará na inter­pretação do presente.
Nos capítulos desta Unidade, opta­mos por abordar as questões referen­tes à soberania. A soberania consiste no poder de mando de última instância, ou seja, o poder supremo. Quando per­guntamos qual o lugar ocupado pelo poder, constatamos a diversidade das respostas dadas, assim como são dife­rentes as justificativas de todo tipo de poder, inclusive o despótico.
A partir da Idade Moderna, o Esta­do surgiu como o único representante supremo do poder e do uso legítimo da força. Com as teorias contratualistas nos séculos XVII e XVIII são discutidas a origem e a legitimidade do poder, e essa fecunda reflexão acentua a tendên­cia de deslocamento da soberania do Executivo para o Legislativo (como na concepção de Locke), de forma a valo­rizar o poder que os cidadãos deposi­tam nas mãos de seus representantes. A teoria da soberania popular atinge o seu auge na concepção de democracia direta de Rousseau.
Tais questões ainda hoje são atuais, estando presentes nas discussões, pe­las correntes liberais, sobre a não-intervenção do Estado em áreas que an­tes eram de sua competência. O mes­mo ocorre nos países do Leste europeu que, a partir do fim da década de 80, começaram a reagir à excessiva centra­lização do poder estatal.
Em meio a tais discussões, conti­nuam a surgir propostas que visam maior participação política, com amplia­ção dos espaços possíveis de expressão da cidadania ativa, em busca de um ti­po de exercício de poder que permita a instauração de uma sociedade sem privilégios.


O cidadão não-educado
(...) Nos dois últimos séculos, nos discursos apologéticos sobre a democra­cia, jamais esteve ausente o argumento segundo o qual o único modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direi­tos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis*; com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática. Concomitantemente, não antes: não antes co­mo prescreve o modelo jacobino, segundo o qual primeiro vem a ditadura revo­lucionária e apenas depois, num segundo tempo, o reino da virtude. Não, para o bom democrata, o reino da virtude (que para Montesquieu constituía o princí­pio da democracia contraposto ao medo, princípio do despotismo) é a própria democracia, que, entendendo a virtude como amor pela coisa pública, dela não pode privar-se e ao mesmo tempo a promove, a alimenta e reforça. Um dos tre­chos mais exemplares a este respeito é o que se encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo das Considerações sobre o governo representativo de John Stuart Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e passi­vos e esclarece que, em geral, os governantes preferem os segundos (pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele conclui, os gover­nantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar o capim uma ao lado da outra {e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é escasso). Isto o levava a propor a extensão do sufrágio às classes populares, com base no argumento de que um dos remédios contra a tirania das maiorias encontra-se exatamente na promoção da participação eleitoral não só das classes acomodadas (que cons­tituem sempre uma minoria e tendem naturalmente a assegurar os próprios in­teresses exclusivos), mas também das classes populares. Stuart Mill dizia: a par­ticipação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da discussão políti­ca que o operário, cujo trabalho é repetitivo e concentrado no horizonte limita­do da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre eventos distan­tes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com cidadãos diversos da­queles com os quais mantém relações cotidianas, tornando-se assim membro consciente de uma comunidade.
* Em latim no original: cidadania ativa, direitos do cidadão. (N. do T.)
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 31-32.


[O poder democrático]
Regra geral, estamos preparados para perceber o sentido da política antes na violência do que no diálogo, antes na coerção do que na liberdade. E quanto ao poder, se alguém nos pergunta o que é isso, as primeiras imagens que nos ocorrem são sobre os aparatos de poder. São sobre o poder como coisa. Seria casual na tradição política brasileira a referência tão constante nos discursos oficiais aos "poderes constituídos"? É que a tradição — conservadora e autori­tária — faz de tudo para obscurecer a dimensão essencialmente constituinte da noção de poder, ou seja, o poder como algo que se cria, como associação livre de vontades. Para a tradição é mais fácil perceber, por exemplo, o poder de um burocrata que apenas implementa decisões de outros, do que o poder de uma proposta política que mobiliza enormes quantidades de pessoas para chegar a determinadas decisões. Percebe melhor o poder morto do "aparelho", da "má­quina", do que o poder vivo, potencialmente transformador, das relações políti­cas reais. No limite, vê no poder a capacidade da repressão muito mais do que a da libertação.
WEFFORT, Francisco C. Por que democracia? São Pau­lo, Brasiliense, 1984. p. 35.

Walden II
O psicólogo americano Skinner é autor de inúmeros ensaios onde desenvol­ve de forma original a teoria comportamentalista. Suas idéias também se en­contram no romance Walden 11, uma sociedade do futuro, onde descreve a uto­pia de uma comunidade em que as pessoas vivem de acordo com os padrões científicos da "engenharia comportamental". No Capítulo 9 (A liberdade) cons­ta outro trecho da referida obra. Vejamos aqui algumas de suas considerações sobre política:
Rogers tinha encontrado em uma biblioteca uma cópia do velho artigo de Frazier e o leu para nós. Nele estava exposta a tese que Rogers havia esquematizado três dias antes. A ação política era inútil na construção de um mundo me­lhor e os homens interessados nisso fariam melhor voltando-se para outros meios tão logo quanto possível. Qualquer grupo poderá ter auto-suficiência econômi­ca se contar com os recursos da tecnologia moderna e os problemas psicológi­cos da vida grupai poderão ser resolvidos pela aplicação dos princípios da "en­genharia comportamental". (...)
— Nós nos metemos em política para fins práticos imediatos. Todos nós vo­tamos, mas não nos interessamos todos por isso. Temos um Administrador Po­lítico que se informa das qualidades dos candidatos às eleições locais e esta­duais. Com a ajuda dos Planejadores, ele planeja o que chamamos de "cédula Walden" e vamos todos às urnas e votamos nela sem alteração.
— A maioria dos membros vota como lhes foi dito?
— E por que não? Você pensa que eles seriam tão tolos a ponto de votar metade de um jeito e metade de outro? Nesse caso, poderíamos ficar em casa. Lembrem-se de que nossos interesses são semelhantes e que nosso Administra­dor Político está na melhor posição possível para nos dizer qual candidato agirá dentro desses interesses. Por que é que os nossos membros teriam de perder tempo — e isso toma tempo — para se informarem sobre assunto tão complexo?
(...) Lembro-me de quando todo mundo podia falar sobre princípios mecâni­cos segundo os quais o seu automóvel andava ou não conseguia andar. Todo mundo era um especialista em carro e sabia como polir o platinado de um magneto e tirar a trepidação das rodas dianteiras. Sugerir que esses assuntos fos­sem deixados a especialistas teria sido denunciado como fascismo se o termo já tivesse sido inventado. Mas hoje, ninguém sabe como funciona o carro e não vejo que sejam menos felizes por isso. Em Walden 11, ninguém se preocupa quan­to ao governo, exceto os poucos a quem essa preocupação foi atribuída. Suge­rir que todo o mundo tome interesse pareceria tão fantástico quanto sugerir que todos se familiarizassem com as nossas máquinas diesel. Estou mesmo certo de que raramente alguém pensa nos direitos constitucionais dos membros. A única coisa que importa é a felicidade do dia-a-dia e a segurança futura. Qual­quer infração ali, sem dúvida, "faria o eleitorado se levantar".
SKINNER, Burrhus F. Walden II, uma sociedade do futuro. São Paulo, EPU, 1975. p. 15, 199-200 e 266.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

VALORES SOCIAIS

- PARTE  I -

DESCOBRINDO OS VALORES



- O ser humano está sempre avaliando – Avaliar: identificar, reconhecer e aprecisar o valor.
- Reflexão em duas partes: abordagem conceitual e algumas questões  sobre a teoria dos valores (ou axiologia).

1.      Juízos de valor

Juízos de Realidade
Juízos de Valor
Avaliação
Aquela caneta é azul
A caneta azul não é tão bonita quanto a vermelha
Estética
Este lápis é novo
O lápis velho escrevia melhor que este novo
Utilidade
Maria acabou de sair
Maria não deveria ter saído antes de terminar o trabalho
Moral
Pedro foi comprar pão
O pão está muito caro
Econômico
A barraca está cheia de frutas
As frutas  fazem bem à saúde
Vital
João está orando
Orar reconforta o espírito
Religioso


- a palavra Valor:
etimológico -“valere” – “ser forte, valoroso, eficaz” e “ter saúde”.
psicológico“mérito” – talento de alguém ou à coragem de um valoroso guerreiro.
utilidade quando uma faca perde o corte, dizemos que ela não vale nada.

2.      O que são valores

 - Valorar é uma experiência fundamentalmente humana que se encontra no centro de toda escolha.
- O objetivo de qualquer valoração é, sem dúvida, orientar a ação prática.
- Diante do que é, a valoração nos orienta para o que deve ser.
- Mas o que é o valor?

Existe o mundo das coisas e o mundo dos valores. Não podemos afirmar, porém, que os valores
São da mesma maneira que as coisas são, porque o valor é sempre uma relação entre o
 sujeito que valora e o objeto que é valorado; por isso, não há
 valor em si’, mas ‘valor para alguém

Caixa de texto: “uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos  de algo que vale, não dizemos nada do ser, mas dizemos que não é indiferente. (...) A não-indiferença é a essência do valer” (García Morente)





- Os valores existem na ordem da afetividade, uma vez que não ficamos indiferentes diante de alguma coisa ou de uma pessoa, mas sempre somos afetados por elas de algum modo.       
- Em linhas gerais: os filósofos definem o valor como “o que deve ser objeto de referência ou de escolha” ou, ainda, “um valor é o que vale; e valer é ser desejável ou desejado”.

3.      De onde vêm os valores?

- Os valores são em parte herdados da cultura, e nossa primeira compreensão da realidade  se funda no solo dos valores da comunidade a que pertencemos.
- As experiências de valorar variam conforme a cultura e a época.
- Apesar das variações, todas as comunidades têm a necessidade formal de regras, modelos, cânones, em todos os setores.
Caixa de texto: Na Idade Média era proibido dissecar cadáveres e, no entanto, as instituições de justiça torturavam seres humanos. Naquela época também era pecado emprestar dinheiro a juros, o que hoje os bancos fazem sem nenhuma penitência. Nosso costume de comer bife escandaliza o hindu, para quem a vaca é um animal sagrado. Em certas tribos matam-se os velhos, bem como as crianças nascidas com algum defeito, procedimento que nos parece de incrível crueldade – mesmo porque nem sempre sabemos que nas comunidades em há escassez de alimentos, os incapazes de produzir são eliminados como peso prejudicial à sobrevivência do grupo.










4.      Educar para os valores

- Mesmo sendo transmitidos os valores, não há como desprezar a capacidade humana de criticar os costumes vigentes e ansiar por novos horizontes de ação.
- A crítica é menos intensa nas sociedades tradicionais, que conservam seus modelos de comportamento por mais tempo; mas é muito forte em época de crise de valores.
- A tendência predominante das pessoas é resistir , buscando a segurança de valores dados e não questionados.
- De igual modo acontece com os valores morais: não nascemos morais, mas devemos nos tornar sujeitos morais.
• a construção de nossa personalidade moral supõe uma descentração – em que superamos o nosso egoísmo, em direção ao reconhecimento do outro como outro-eu.
educação moral: inculcação das normas e estimulação da passagem da heteronomia para a autonomia.
• a discussão dos juízos de valor nos ajudam a buscar as razões que fundamentam nossas escolhas.
- Também não nascemos cidadãos, mas devemos ser educados para a cidadania ativa, comportamento fundamental para o exercício da democracia participativa. Não é fácil desenvolver  a política da igualdade – que estimula a solidariedade, o pluralismo e o respeito pelos direitos humanos.
- Enfim:
            • os valores servem para que a sociedade se humanize, mantenha a sua integridade e se desenvolva.
            • para isso, é necessário a preservação da autonomia na capacidade de valorar.
• existe dois momentos: um em que os valores são herdados e, outro, pessoal e intersubjetivo, de questionamento dos valores, priorizando-os ou procedendo a sua revisão, quando eles deixam de estar a serviço da nossa humanização.


- PARTE II –
A FILOSOFIA DOS VALORES

1.      Axiologia ou filosofia dos valores

- O conceito Valor:
• utilizado como termo técnico na economia política no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, ao fazer distinção entre valor de uso e valor de troca.
• mais tarde incorporado à filosofia como um novo ramo: axiologia ou filosofia dos valores.
Caixa de texto: Axiologia: em grego, o substantivo axia significa “preço”, “valor de alguma coisa” e o adjetivo axios é “o que vale”, “quem tem valor de”, “digno de”, “justo”. A axiologia, ou teoria dos valores, reflete sobre o significado do conceito de valor, os chamados juízos de valor, buscando explicitar a natureza e as características do valor.






2.      Concepções axiológicas
- Desde a filosofia antiga, os pensadores abordavam as questões do valor sob o aspecto do bem, do belo, do verdadeiro, mas sempre com relação ao ser -  a discussão não estava centrada no valor, que dependia da metafísica.
  Platão: “mundo das idéias” – modelo no qual a realidade concreta se espelha. Haveria o bem em si, o belo em si e o verdadeiro em si.
Aristóteles: “natureza” – (inclusive a natureza humana) – como um processo em que todos os seres buscam atualizar (tornar atual) aquilo que são em potência, visando à plena natureza.
Kant:Século XVIII, representante do iluminismo alemão – afirma que não podemos conhecer o ser profundo das coisas, concluiu pela incapacidade da razão de ter acesso à metafísica. Como conseqüência, se o ser não é mais o fundamento das nossas apreciações, cabe ao sujeito assumir o peso e a responsabilidade dos seus valores. Kant não se referia a um sujeito individual, mas ao sujeito universal, que ele chama de sujeito transcendental, capaz de autonomia, de julgar por si próprio ao fazer juízos estéticos e morais.
Filósofos que se seguiram: passaram a dar destaque à noção de temporalidade e de vir-a-ser: neste mundo em mudança, que está sempre “por se fazer”, os valores adquirem dimensão própria.
Friedrich Nietzsche: coloca em questão a escala de valores aceita muitas vezes devido ao hábito, mas sobretudo imposta pela tradição cristã.
- humildade, caridade, resignação e piedade são valores dos fracos e vencidos, próprio de uma moral de “escravos”, intimamente ligada às necessidades dos que vivem em rebanho.
- a “moral dos senhores” é positiva, porque baseada no sim à vida, e se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo.
- propõe a transvaloração dos valores – eles não existiram desde sempre. Os valores são “humanos, demasiado humanos” e, portanto, foram criados.
- ao criticar o fato de que os valores há mais de dois mil anos se acham fundamentados na metafísica e na religião, considera que a vida é o único critério de avaliação que se impõe por si mesmo.

3.      Relatividade e subjetividade dos valores.

- Seriam os valores relativos e não mais absolutos? Seriam eles subjetivos, e não objetivos e universais?
- Segundo a atitude intelectualista  - pela qual se admite ser a razão que descobre os valores, e não a sensibilidade -, porder-se-ia concluir pela relatividade dos valores. Mas não é bem assim.
- Para outros filósofos, a recusa dos valores dados como eternos e imutáveis não significa cair no relativismo. Vejamos alguns tópicos a respeito do assunto:
• a questão do gosto não pode ser encarada como uma preferência arbitrária e imperiosa  da nossa subjetividade, porque é possível educar a sensibilidade, aprimorando o gosto.
• respeitar as opiniões diferentes não significa  a impossibilidade de discordar delas.
• é possível discutir com os opositores sobre os motivos das escolhas e das rejeições.
- Damos destaque ao esforço pessoal reflexivo, estimulado pelo diálogo, que leva ao esclarecimento dos nossos juízos de valor, bem como ao desenvolvimento da sensibilidade, o que nos permite lançar um outro olhar sobre nossas crenças arraigadas.

Conclusão

- A discussão filosófica sobre valores é importante, porque ela nos proporciona um olhar diferente sobre o mundo e sobre nós mesmos, o que pode resultar num antídoto para a alienação, o conformismo, o preconceito.
- Não podemos deixar de lado o caráter existencial do pensar, que se funda em exigência ética, estética e política.
- Enfim: precisamos dessa reflexão sobre os valores, num mundo excessivamente individualista, pragmático, tecnocrático, em que os meios são mais valorizados do que os fins humanos.
 
           

A QUESTÃO DEMOCRÁTICA



A Sociedade Democrática
Há na prática democrática e nas idéias democráticas uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que a ideologia democrática percebe e deixa perceber.
As eleições, por exemplo, simbolizam o essencial da democracia: que o poder não se identifica com os ocupantes do governo, não lhes pertence, mas é sempre um lugar vazio que os cidadãos, periodicamente, preenchem com um representante, e podem revogar seu mandato se não cumprir o que lhe foi delegado para representar.
A sociedade não é uma comunidade uma e indivisa voltada para o bem comum obtido por consenso, mas, ao contrário, que está internamente dividida e que as divisões são legítimas e devem expressar-se publicamente.
A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo que ele seja trabalhado politicamente pela própria sociedade.
As idéias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos significam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e de exigi-los. É esse o cerne da democracia.
Há uma ênfase na diferença entre necessidade e interesse e direito.
Necessidade
É algo particular ou específico. Há tantas necessidades quanto indivíduos, tantas carências quanto grupos sociais. Necessidades ou carências podem ser conflitantes (resolver umas às vezes tendo que abandonar a outras).
Interesse
Também é algo particular e específico. Interesses também podem ser conflitantes.
Direito
Um direito, ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e específico, mas geral e universal. Ex: a carência de  de água e de comida expressa algo mais profundo: o direito à vida.

Dizemos que uma sociedade – e não um simples regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é a condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos.

A criação de direitos
A democracia foi criada pelos atenienses. Criou-se também a tradição democrática como instituição de três direitos fundamentais que definiam o cidadão: igualdade, liberdade e participação no poder.
Igualdade
• significava: todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira perante as leis e os costumes da pólis.
• Aristóteles: a primeira tarefa da justiça era igualar os desiguais.
• Marx:  a igualdade só se tornaria um direito concreto quando não houvesse escravos, servos e assalariados explorados.
• Marx e Aristóteles: a mera declaração de igualdade  não faz existir os iguais, mas abre o campo para a criação da igualdade.
Liberdade
• significava: todo cidadão tem o direito de expor em público seus interesses e suas opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou rejeitados pela maioria, e deve acatar a decisão tomada publicamente.
• ampliação do direito à liberdade: Revoluções: inglesa, 1644; Francesa, 1789.
• liberdade de pensamento e de expressão, livre escolha do ofício, local de moradia, o tipo de educação, cônjuge – recusa das hierarquias fixas, supostamente divinas ou naturais.
Participação no poder
• significava: todos os cidadãos têm o direito de participar das discussões e deliberações públicas da pólis, votando ou revogando decisões.
• todos os cidadãos têm competência para opinar e decidir, pois a política não é uma questão técnica (eficácia administrativa e militar) nem científica (conhecimentos especializados sobre administração e guerra), mas uma ação coletiva, isto é, decisão coletiva sobre os interesses e direitos da própria pólis.

Ampliando a participação
A democracia ateniense era direta. A moderna, porém, é representativa. O direito à participação tornou-se indireto, por meio da escolha de representantes. Ao contrário dos outros dois direitos, este último parece ter sofrido diminuição mais que ampliação (afirmação verdadeira e falsa):
verdadeira: porque a república liberal tinha a tendência de limitar os direitos políticos aos proprietários privados dos meios de produção e aos profissionais liberais da classe média, aos homens adultos “independentes”.
falsa: porque a democracia moderna foi instituída na luta contra o Antigo Regime, ampliando a participação dos cidadãos ainda que sob a forma de representação.
As lutas socialistas e populares: forçaram a ampliação dos direitos políticos com a crianção do sufrágio universal (todos são cidadãos eleitores: homens, mulheres, jovens, negros, analfabetos, trabalhadores, índios) e a garantia da elegibilidade de qualquer um que, não estando sob  suspeita de crime, se apresente para um cargo eletivo.
As lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos (civis) e, a partir destes, criaram os direitos sociais – trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, lazer, cultura -, os direitos  das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, índios – e o direito à segurança plenetária – as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.

Traços da democracia
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos reais à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos. Dois traços distinguem a democracia de todas as outras formas sociais e políticas:
1.      A democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo (contrapoder social – que direta ou indiretamente limita o poder do Estado;
2.      A democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo.
Pela criação de novos direitos e pela existência de contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis.

Obstáculos à Democracia
Liberdade, igualdade e participação conduziram à célebre formulação da política democrática como “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Entretanto, o povo está dividido em classes sociais – seja os ricos e os pobres (Aristóteles), os grandes e o povo (Maquiavel), seja as classes sociais antagônicas (Marx).
A sociedade democrática não esconde suas divisões, mas procura trabalhá-las pelas instituições e pelas leis.
No capitalismo, são imensos os obstáculos: o conflito de interesses é criado pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que a ideologia afirme que todos são livres e iguais.
As lutas populares nos países de capitalismo avançado ampliaram os direitos dos cidadãos e a diminuição da exploração dos trabalhadores – Estado do Bem-Estar Social.
Um preço a pagar: a exploração mais violenta do trabalho pelo capital recaiu nas costas dos trabalhadores dos países desenvolvidos – divisão internacional do trabalho e da exploração.
Estado do Bem-Estar Social

Características da economia política que sustentava o Estado de Bem-Estar Social:
1.        o fordismo na produção – controle da organização do trabalho, da produção de grandes estoques e dos preços mediante o planejamento e a chamada “gerência científica”.
2.        A inclusão crescente dos indivíduos no mundo trabalho, orientando-se pela ideia de p leno emprego.
3.        Monopólio e oligorpólio que, embora transnacionais ou multinacionais, tinham como referência reguladora o Estado nacional. Para que essa economia realizasse o bem-estar foi preciso que o Estado interviesse nela como regulador ou parceiro.


Fragilidade nos dias atuais – mudança profunda no modo de produção capitalista a partir do momento em que o modo de produção capitalista passou a enfrentar a crise do Estado do Bem-Estar Social recorrendo ao neoliberalismo e à ideia liberal de autocontrole da economia pelo mercado capitalista, afastando a presença do Estado do plamejamento econômico e da aplicação dos fundos públicos ára a garantia de direitos sociais.
Neoliberalismo

É uma teoria econômico-política formulada por um grupo de economistas, cientistas políticos e filósofos que se opunha ao surgimento do Estado de Bem-Estar Social. Navegando contra a corrente das décadas 1950 e 1960, esse grupo elaborou um detalhado projeto econômico e político que atacava o Estado do Bem-Estar Social com seus encargos sociais e com a função de regulador das atividades do mercado. Afirmava que esse tipo de experiência destruía a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais não há prosperidade.

Abandono das políticas sociais ►privatização.
Abandono do planejamento econômico►desregulação.


Os direitos econômicos e sociais conquistados pelas lutas populares correm perigo por causa da privatização, do encolhimento da esfera pública e do alargamento da esfera dos interesses privados.


Uma definição mínima de democracia


[...] No entanto, mesmo para uma definição mínima de democracia, como é a que aceito, não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos no direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de procedimento como a da maioria [ou, no limite da unanimidade]. É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Para que se realize esta condição é necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. – os direitos à base dos quais nasceu o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte, isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege, mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do indivíduo. Seja qual for o fundamento filosófico destes direitos, eles são o pressuposto necessário para o correto funcionamento dos próprios mecanismos predominantemente procedimentais que caracterizam um regime democrático. As normas constitucionais que atribuem estes direitos não são exatamente regras do jogo: são regras preliminares que permitem o desenrolar do jogo.
Disto segue que o Estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do Estado democrático. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais.  Em outras palavras: é pouco provável que um estado não-liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não-democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o Estado liberal e o estado democrático, quando caem, caem juntos”.
(BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 32-33).
_________
CHAUÍ, Marilena. Filosofia. Série novo Ensino Mèdio. Volume único. São Paulo: Ática p. 270-278.