Caminho de Humanidade...

Há um caminho...
Nesse caminho encontramos amores e dissabores,
Nele não há certezas e honras.
Nesse caminho há apenas a vontade certa de penetrar o incerto, mergulhar no mistério e envolver-se pela contemplação de eternidade...
Ah... que eternidade!
A eternidade dos simples que se fazem no tempo.
O tempo dos fracos que se fortificam nos sonhos...
A vida vivida dos que comigo partilham a esperança...
E de repente, no caminho, jaz apenas o encontro: entre o EU que em mim centelha e o TU que em ti contemplo...
Caminhando, enfim, encontro com aqueles que aceitam ser simples; com aqueles que, sendo simples, tornam-se grandes e, sendo grandes, tornam-se detentores de uma sublime humanidade...




Não existe amor maior...

Não existe amor maior...
De repente a gente descobre que não pode mais estar sozinho... que nem a incompletude nossa é capaz de conformar-nos com a ausência de quem nos completa... E então a gente descobre que não pode viver sem o encanto, o carinho, a presença, o amor que Deus nos presenteia...

O que significa ser mestre...

O que significa ser mestre...
Neste dia, a maestria se fez presente na singeleza dos gestos e na simplicidade de quem é sábio na inteireza... de quem é inteiro na sabedoria e humanidade.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

A EXPERIÊNCIA SOLITÁRIA DA MORTE

Entrei na Igreja escura. Uma luz acesa, apenas uma: a fraca lâmpada do SS. Sacramento. Percorri alguns metros até A Sacristia e acendi a luz. Ali, na nave central, no mesmo lugar que um dia eu havia me ajoelhado e me prostrado para a ordenação diaconal, diante do altar que tantas vezes celebreI o Sacrifício, estava o Corpo do velho padre, do velho amigo, do meu velho confessor. Três coroas de rosas, velas apagadas, corpo revestido pela túnica simples que sempre esteve no seu guarda roupa. Sobre os ombros, a velha estola, a dele, que muitas vezes enxugou lágrimas e testemunhou a simplicidade. Olhei ao redor... um imenso espaço vazio, um silêncio ensurdecedor. No centro da igreja, aquele corpo, rosto sereno, pele sem rugas, os restos mortais de um grande homem. Ninguém ao redor, apenas os anjos e as preces que em vida aquele bom homem pode rezar. Os ecos de suas pregações em vida, naquele momento, estavam-lhe servindo de companhia. Sempre acreditei que as dádivas que partilhamos em vida não nos servem no momento que delas experienciamos. O que em vida fazemos serve para o júbilo na morte, ali, quando ninguém mais está ao nosso lado. Um filme passou em minha memória: toquei o seu rosto, peguei a sua mão, beijei a sua testa. Ali, no corpo presente, a minha reação foi a reverência e o pranto calado, recaindo em forma de lágrimas gotejantes de existência. Lembrei-me do primeiro encontro. Um homem bom. Quando no seminário chegou para ser o nosso confessor, me chamou ao canto e me disse palavras até hoje vivas em minha memória. Os ecos daquelas palavras e de tantas outras em confissão, me acompanham durante toda a minha vida. Vivia de forma simples. Tinha sido um grande professor. Ensinou a ministros, secretários de Estado, bispos e muitas notórias personalidades. Era professor de Teologia na época em que o negro não podia ser ordenado padre e muito menos professor catedrático. Orgulhava-se do título de Bacharel em Teologia quando este tinha o Status de "Doutorado". Defendeu o seu trabalho final em latim e grego. Por todos admirado... Era amigo de políticos. Tudo o que deles conseguia era para os pobres. Lembro-me que um dia, no seminário menor, tendo eu apenas um par de calças e um par de tênis, foi ele quem me ajudou. Ajudou os pobres por onde passou. No seu guarda roupa, algumas peças, uma simples túnica e duas estolas. A sua aposentadoria, toda investida em chocolates e bombons para distribuir às crianças, aos jovens, aos seminaristas. Ah... quantas vezes fui testemunha de momentos em que os superiores chamavam a sua atenção por ele cumprir tal gesto. O que era um salário mínimo na velhice diante de uma vida toda dedicada? Os olhos lacrimejavam e ele se recolhia. Nunca resmungou. Silenciava sempre diante do que para muitos era humilhação. Sempre que eu entrava em seu quarto, estava ele escrevendo na sua velha máquina de escrever. "Estava compondo mais um livro", dizia ele. Orgulhava-se de ser padre. Orgulhava-se de ter o carisma da juventude. A última vez que o vi foi no Hospital... Estava ele acompanhado por uma cuidadora... Uma vida toda dedicada aos outros...No fim, de um lado e de outro, ninguém. Um homem que tanto acreditou que valia a pena dedicar toda a vida aos outros, incluindo a comunhão na vida religiosa, de repente, ali, sozinho, na frieza da madrugada ante o féretro da indiferença. Novamente o contemplo... faço minhas orações. Encomendo-lhe o corpo e peço a sua intercessão. Cubro-lhe com o tule que o envolvia. Apago a luz. Faço minha prece final. Retiro-me em silêncio. Em silêncio permaneci até em casa. Ao chegar, minha esposa pergunta: "Muita gente no velório?". Com vergonha e talvez com angústia eu lhe disse: "Apenas eu... o meu velho padre estava sozinho." E fui tentar dormir...