O que é política
Em época de eleições é muito comum ouvir frases como estas:
— Não dou palpite porque não entendo nada de política. Nem quero entender...
— Acho que o fato de um candidato pertencer a um partido ou a outro não tem a menor importância; por isso escolho quem considero ser a melhor pessoa.
— Não tenho gosto em votar. Os políticos sempre dizem as mesmas coisas. Prometem e não cumprem. Querem é se arranjar na vida, isso sim!
— Qual é a função do deputado? Não sei...
— Escolhi este candidato porque lhe devo alguns favores pessoais. Além disso, ele prometeu colocar minha irmã no serviço público.
Essas frases indicam alguns posicionamentos a respeito do fato político.
Quando as pessoas identificam política com politicagem, podem estar expressando o desalento a propósito da ação dos homens públicos; ou então reforçam a postura interesseira do eleitor que sempre espera tirar proveito pessoal da escolha do candidato.
Alguns têm uma visão imobilista, considerando que as mudanças, mesmo quando existem, não alteram intrinsecamente o mundo humano (sempre existiram ricos e pobres...). Outros assumem posição naturalista e determinista ao admitirem que os fatos acontecem independentemente da vontade dos homens. Ou, ao contrário, acomodam-se no paternalismo segundo o qual apenas pessoas especiais, "os grandes homens", teriam capacidade de mando e decisão. A nós, "homens comuns", restaria obedecer sem discutir.
Com freqüência as pessoas não resistem ao individualismo que reduz a complexidade das relações humanas à esfera dos negócios e da vida familiar, bastando ao bom cidadão o cumprimento das obrigações particulares. (Será que o mundo não vai além do meu jardim?)
Embora as frases do início expressem diferentes posições pessoais, elas têm algo em comum, ou seja, são indicativas de desinformação. Geralmente não se sabe o que é política, qual o papel do homem dedicado à política, e em que medida o cidadão comum também é político. Talvez nem se suspeite de que todos nós estamos envolvidos totalmente na política, mesmo sem querer ou sem saber disso.
Força e poder
Em sentido bem amplo, todos nós temos poderes: poder de produzir, de consumir, de criar, de punir, de comandar; poder de seduzir, de agraciar... O menos poderoso dos indivíduos deve ter poderes, mesmo que secretos! Aliás, Freud percebeu com muita argúcia que certos doentes "indefesos" manipulam pessoas, mantendo-as na sua dependência.
No entanto, para que alguém exerça de fato poder, é preciso que possua força. Convém lembrar que o conceito de força não precisa estar necessariamente ligado ao de coerção ou violência, assim como o conceito de poder não significa exclusivamente dominação ou constrangimento.
Mas afinal, o que é o poder? É a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos (sobre indivíduos ou grupos humanos). Portanto, o poder não é um ser, mas uma relação. Mais ainda, é um conjunto de relações, por meio das quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos.
Preciso de força física para poder carregar um pacote pesado. Se amo alguém, sou mobilizado pela força do seu charme, portanto o amado exerce um poder de atração sobre o amante. Nas sociedades democráticas os partidos têm poder e força quando demonstram ser formas atuantes de mobilização social e de interferência em outros centros de poder.
As pessoas interagem por meio de forças criativas que atuam e movimentam as relações humanas. Abordamos aqui três tipos de uso positivo de força; a física, a psíquica e a moral. Trata-se portanto de energias que nos possibilitam viver melhor e enfrentar as dificuldades da vida. E isto é positivo, dinâmico e vital.
Se o confronto de forças em si não é um mal, deveria ser normal as pessoas tolerarem as divergências, conviverem com as diferenças, aprenderem a trabalhar os conflitos. Mas sabemos que, na maior parte das situações, as forças não estão equilibradas. Ao contrário, a força física com freqüência se transforma em mera coerção — e portanto em violência — toda vez que visa o constrangimento de indivíduos ou grupos obrigados a agir conforme uma vontade exterior ou impedidos de agir de acordo com sua própria intenção.
As forças psíquicas e morais se convertem em persuasão perversa quando, por meio da ideologia, grupos dominados são levados a pensar, sentir e querer o que interessa ao grupo dominante, a fim de serem mantidos privilégios.
Retomando o exemplo dos amantes: o medo da perda, o ciúme, o desejo de controle degeneram o poder e a força originários da atração amorosa e transformam a relação inicialmente voluntária em obrigação e constrangimento.
Da mesma forma, em todos os segmentos da vida comunitária, o indevido exercício do poder e da força instaura relações hierárquicas e estabelece a dominação.
Consideremos agora os conceitos de força e poder no domínio estrito da política.
O que é política
A política é a atividade que diz respeito à vida pública. Etimologicamente, polis, em grego, significa "cidade". A política é portanto a arte de governar, de gerir os destinos da cidade. O homem político é aquele que atua na vida pública e é investido de poder para imprimir determinado rumo à sociedade, tendo em vista o interesse comum.
A ação política não é exclusividade de alguns seres especiais. Cada indivíduo, enquanto cidadão (filho da cidade), deveria ter espaços de participação efetiva que em absoluto não se restringem apenas ao exercício do voto! Este é apenas um dos instrumentos da cidadania na sociedade democrática. Portanto, todos nós temos uma dimensão política que precisa ser atuante.
Embora não se confunda com as atividades comuns do homem (na família, trabalho, lazer etc.), a política de certa forma permeia todas as atividades humanas o tempo todo. Interfere na vida de cada um de múltiplas maneiras: na regulamentação legal das ações dos cidadãos, já que as leis são feitas pelos representantes escolhidos pelo povo; na gestão dos assuntos relativos à educação, saúde, abastecimento, transportes; nos aparelhos repressivos como tribunais, polícia, prisões. É impossível pensar em um setor sequer onde, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, a influência da política não se exerça na vida de cada um.
Por exemplo, nas esquinas movimentadas das grandes cidades costumamos ver vendedores de balas, limões, panos de pó. Na maioria das vezes são crianças. A primeira impressão é de que certas pessoas escolhem de livre e espontânea vontade esse tipo de serviço, mas a análise cuidadosa revela a realidade cruel do desemprego e conseqüentemente de formas marginais de sobrevivência, como o subemprego. Diante das taxas de escolarização, ficamos sabendo que pelo menos um terço das nossas crianças em idade escolar se encontra fora da escola.
Não é possível analisar tal situação como simples decorrência da vontade de cada um: as crianças não freqüentam escola e estão soltas na rua não por vontade própria, nem porque seus pais são relapsos. Antes, é preciso tentar entender por que o Brasil tem um dos índices mais vergonhosos de distribuição de renda, ao mesmo tempo que se situa entre os oito ou dez países mais ricos do mundo!
É por estas situações e muitas outras que ninguém pode se considerar apolítico, sob pena de a pretensa neutralidade justificar a política vigente. O homem despolitizado compreende mal o mundo em que vive e é facilmente manobrado por aqueles que detêm o poder.
Política: teoria e prática
Em todos os tempos e lugares, nas mais diversas situações, sempre houve homens dominando homens: homens lutando pela conquista e manutenção do poder e homens lutando contra a opressão.
É inevitável que perguntemos: afinal, o que justifica o poder? quando é legítimo? quais os seus fundamentos e limites? Ou ainda: como conquistar o poder e como mantê-lo? como tratar aqueles que se submetem ao poder? Ou ainda: por que tantos se submetem a tão poucos?
Ao tentar responder a questões como essas, homens de todos os tempos elaboraram teorias as mais diversas, buscando explicações ora nos mitos e nas religiões, ora em tentativas predominantemente racionais. Em qualquer caso, as teorias políticas são a expressão do mundo em que vivemos. E não são apenas teorias, pois sempre trazem um convite à ação:
• para manter e justificar o status quo;
• ou para levar à transformação da sociedade, seja pela utopia, pela reforma ou pela revolução.
Por isso é importante estudar os clássicos, para examinar como eles perceberam os problemas do seu tempo. Sem dúvida isso nos auxiliará na interpretação do presente.
Nos capítulos desta Unidade, optamos por abordar as questões referentes à soberania. A soberania consiste no poder de mando de última instância, ou seja, o poder supremo. Quando perguntamos qual o lugar ocupado pelo poder, constatamos a diversidade das respostas dadas, assim como são diferentes as justificativas de todo tipo de poder, inclusive o despótico.
A partir da Idade Moderna, o Estado surgiu como o único representante supremo do poder e do uso legítimo da força. Com as teorias contratualistas nos séculos XVII e XVIII são discutidas a origem e a legitimidade do poder, e essa fecunda reflexão acentua a tendência de deslocamento da soberania do Executivo para o Legislativo (como na concepção de Locke), de forma a valorizar o poder que os cidadãos depositam nas mãos de seus representantes. A teoria da soberania popular atinge o seu auge na concepção de democracia direta de Rousseau.
Tais questões ainda hoje são atuais, estando presentes nas discussões, pelas correntes liberais, sobre a não-intervenção do Estado em áreas que antes eram de sua competência. O mesmo ocorre nos países do Leste europeu que, a partir do fim da década de 80, começaram a reagir à excessiva centralização do poder estatal.
Em meio a tais discussões, continuam a surgir propostas que visam maior participação política, com ampliação dos espaços possíveis de expressão da cidadania ativa, em busca de um tipo de exercício de poder que permita a instauração de uma sociedade sem privilégios.
O cidadão não-educado
(...) Nos dois últimos séculos, nos discursos apologéticos sobre a democracia, jamais esteve ausente o argumento segundo o qual o único modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis*; com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática. Concomitantemente, não antes: não antes como prescreve o modelo jacobino, segundo o qual primeiro vem a ditadura revolucionária e apenas depois, num segundo tempo, o reino da virtude. Não, para o bom democrata, o reino da virtude (que para Montesquieu constituía o princípio da democracia contraposto ao medo, princípio do despotismo) é a própria democracia, que, entendendo a virtude como amor pela coisa pública, dela não pode privar-se e ao mesmo tempo a promove, a alimenta e reforça. Um dos trechos mais exemplares a este respeito é o que se encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo das Considerações sobre o governo representativo de John Stuart Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e passivos e esclarece que, em geral, os governantes preferem os segundos (pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele conclui, os governantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar o capim uma ao lado da outra {e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é escasso). Isto o levava a propor a extensão do sufrágio às classes populares, com base no argumento de que um dos remédios contra a tirania das maiorias encontra-se exatamente na promoção da participação eleitoral não só das classes acomodadas (que constituem sempre uma minoria e tendem naturalmente a assegurar os próprios interesses exclusivos), mas também das classes populares. Stuart Mill dizia: a participação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da discussão política que o operário, cujo trabalho é repetitivo e concentrado no horizonte limitado da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre eventos distantes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com cidadãos diversos daqueles com os quais mantém relações cotidianas, tornando-se assim membro consciente de uma comunidade.
* Em latim no original: cidadania ativa, direitos do cidadão. (N. do T.)
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 31-32.
[O poder democrático]
Regra geral, estamos preparados para perceber o sentido da política antes na violência do que no diálogo, antes na coerção do que na liberdade. E quanto ao poder, se alguém nos pergunta o que é isso, as primeiras imagens que nos ocorrem são sobre os aparatos de poder. São sobre o poder como coisa. Seria casual na tradição política brasileira a referência tão constante nos discursos oficiais aos "poderes constituídos"? É que a tradição — conservadora e autoritária — faz de tudo para obscurecer a dimensão essencialmente constituinte da noção de poder, ou seja, o poder como algo que se cria, como associação livre de vontades. Para a tradição é mais fácil perceber, por exemplo, o poder de um burocrata que apenas implementa decisões de outros, do que o poder de uma proposta política que mobiliza enormes quantidades de pessoas para chegar a determinadas decisões. Percebe melhor o poder morto do "aparelho", da "máquina", do que o poder vivo, potencialmente transformador, das relações políticas reais. No limite, vê no poder a capacidade da repressão muito mais do que a da libertação.
WEFFORT, Francisco C. Por que democracia? São Paulo, Brasiliense, 1984. p. 35.
Walden II
O psicólogo americano Skinner é autor de inúmeros ensaios onde desenvolve de forma original a teoria comportamentalista. Suas idéias também se encontram no romance Walden 11, uma sociedade do futuro, onde descreve a utopia de uma comunidade em que as pessoas vivem de acordo com os padrões científicos da "engenharia comportamental". No Capítulo 9 (A liberdade) consta outro trecho da referida obra. Vejamos aqui algumas de suas considerações sobre política:
Rogers tinha encontrado em uma biblioteca uma cópia do velho artigo de Frazier e o leu para nós. Nele estava exposta a tese que Rogers havia esquematizado três dias antes. A ação política era inútil na construção de um mundo melhor e os homens interessados nisso fariam melhor voltando-se para outros meios tão logo quanto possível. Qualquer grupo poderá ter auto-suficiência econômica se contar com os recursos da tecnologia moderna e os problemas psicológicos da vida grupai poderão ser resolvidos pela aplicação dos princípios da "engenharia comportamental". (...)
— Nós nos metemos em política para fins práticos imediatos. Todos nós votamos, mas não nos interessamos todos por isso. Temos um Administrador Político que se informa das qualidades dos candidatos às eleições locais e estaduais. Com a ajuda dos Planejadores, ele planeja o que chamamos de "cédula Walden" e vamos todos às urnas e votamos nela sem alteração.
— A maioria dos membros vota como lhes foi dito?
— E por que não? Você pensa que eles seriam tão tolos a ponto de votar metade de um jeito e metade de outro? Nesse caso, poderíamos ficar em casa. Lembrem-se de que nossos interesses são semelhantes e que nosso Administrador Político está na melhor posição possível para nos dizer qual candidato agirá dentro desses interesses. Por que é que os nossos membros teriam de perder tempo — e isso toma tempo — para se informarem sobre assunto tão complexo?
(...) Lembro-me de quando todo mundo podia falar sobre princípios mecânicos segundo os quais o seu automóvel andava ou não conseguia andar. Todo mundo era um especialista em carro e sabia como polir o platinado de um magneto e tirar a trepidação das rodas dianteiras. Sugerir que esses assuntos fossem deixados a especialistas teria sido denunciado como fascismo se o termo já tivesse sido inventado. Mas hoje, ninguém sabe como funciona o carro e não vejo que sejam menos felizes por isso. Em Walden 11, ninguém se preocupa quanto ao governo, exceto os poucos a quem essa preocupação foi atribuída. Sugerir que todo o mundo tome interesse pareceria tão fantástico quanto sugerir que todos se familiarizassem com as nossas máquinas diesel. Estou mesmo certo de que raramente alguém pensa nos direitos constitucionais dos membros. A única coisa que importa é a felicidade do dia-a-dia e a segurança futura. Qualquer infração ali, sem dúvida, "faria o eleitorado se levantar".
SKINNER, Burrhus F. Walden II, uma sociedade do futuro. São Paulo, EPU, 1975. p. 15, 199-200 e 266.